0137 (Identidade reservada)
Item Set
Número da coleção
0137
Nome(s) do(s) produtor(es)
0137 (Identidade reservada)
Vínculo
Servidor(a)
Unidade da Fiocruz
Casa de Oswaldo Cruz
Data de produção
2020-07-05
Título
Contribuição de 0137 (Identidade reservada) ao projeto "Arquivos da Pandemia: Memórias da Comunidade Fiocruz".
Relato(s)
Experiência de trabalho durante a pandemia:
"Foi muito difícil por vários motivos: tenho déficit de atenção, então, trabalhar em casa com mais 3 pessoas confinadas, conversando, vendo tv etc, me tirava a atenção, então, só conseguia trabalhar de madrugada. Tenho um apartamento muito pequeno, de dois quartos, mas moramos em quatro e tivemos que dividir três cômodos (sala e dois quartos) para quatro pessoas, o som de um ambiente invadindo o outro, como em uma disputa, e isso tudo na cabeça de uma pessoa, eu, que preza pelo silêncio.
Outra questão foi a falta de infraestrutura. Eram três pessoas precisando dividir rede de internet e um notebook. Meu filho, de 13 anos, se adaptando ao estudo online, meu marido cursando uma graduação EAD e eu em trabalho remoto. O estresse foi tamanho que fomos obrigados a comprar um smartfone para meu filho e um segundo notebook para a família.
Ainda sobre infraestrutura e ergonomia. Não tenho mesa de computador e cadeira apropriados. Foi necessário improvisar uma bancada para o computador e a cadeira usada está muito longe de atender às demandas de correta ergonomia. O Nust/Fiocruz envia várias dicas de saúde do trabalhador, enviou um informativo sobre ergonomia, sei da importância desses cuidados, admiro o cuidado que a Fiocruz tem com seus trabalhadores, mas achei um deboche com minha realidade.
Teve também o desafio de conseguir acessar alguns recursos de trabalho online, como plataformas de reuniões. Também desafiador foi ter que trocar mensagem eletrônica para qualquer tipo de necessidade, até aquelas em que, antigamente, levantava-se de sua cadeira e ia perguntar/discutir com o colega da sala ao lado, isso teve um impacto emocional muito grande. Por fim, a dificuldade de ter que continuar trabalhando quando precisa-se 90% estar com o acervo físico em mãos".
Mudanças de hábitos que ocorreram durante a pandemia:
"Aqui em casa somos 4. Foi muito confuso ficar 4 pessoas o dia inteiro, todos os dias juntos. Tenho uma idosa doente, tenho uma empregada por conta disso. Com a pandemia, pedi para que ela não viesse trabalhar , negociamos antecipação das férias, mas um mês não foi o suficiente. Com muito medo de ter uma outra pessoa em casa, que não sabia se estava sendo rigorosa com as recomendações da OMS, preferi estender seu isolamento em sua casa. Então, tudo o que a empregada doméstica fazia, tive que fazer, trabalhava praticamente o dia inteiro em casa e cuidando de minha mãe, só me sobrava as madrugadas para meus trabalhos remotos da Fiocruz. Foi muito exaustivo, não dava tempo e nem tinha estímulo de fazer qualquer coisa que fosse para mim. Tentei manter uma rotina de 3 vezes por semana fazer alguma atividade física, mas fui vencida pelo desânimo. No segundo mês de isolamento, em abril, meu marido foi demitido, isto nos deixou muito preocupados pois estamos sem perspectiva nenhuma de que ele consiga um outro emprego até que acabe essa pandemia.
Comecei a ter crises de ansiedade, mesmo com acompanhamento psiquiátrico e terapêutico, que se mantiveram por vídeo. Numa das crises, fiquei com o braço todo dormente, com espasmos musculares, parecia que estava tendo um AVC, mas, segundo o médico, foi uma hiperoxigenação, por conta da respiração acelerada. Ouvia nos noticiários que morriam várias pessoas de uma mesma família e meu pânico era eu e meu marido morrermos e meu filho ficar órfão. Também fiquei em pânico com a possibilidade de minha irmã morrer (ela tem câncer) e meu sobrinho, de apenas 8 anos,ficar órfão e eu ter que cuidar dele. Passava o dia inteiro e a noite também pensando só coisas ruins. Precisei voltar a usar medicamento para dormir (já há uns meses antes da pandemia que tinha parado o uso deste tipo de medicamento).
Tentei continuar a fazer atividade física em casa, mas moro em apartamento, o espaço é limitado, e com as dificuldades acabei desistindo de fazer, contribuindo para o aumento das crises de ansiedade. No início do isolamento, comia muito, engordei 3 quilos em um mês, depois, passei a ter náuseas e completa falta de apetite, ficava nervosa pois não conseguia comer, aí minha ansiedade aumentava, formando uma retroalimentação.
Com a flexibilização, após 3 meses sem empregada e sendo obrigada a fazer tudo, no último mês, chamei a empregada a retornar ao trabalho, isto está me ajudando muito, principalmente quanto aos meus compromissos com o trabalho como servidora da Fiocruz.
Nos primeiros dias que ela vinha trabalhar, fiquei de coração apertado, angustiada com medo dela poder trazer o vírus aqui para minha casa, mas a flexibilização está me ajudando a ter menos medo.
Acredito que nunca mais teremos um "normal", mesmo com a vacina. Acredito (sem cientificismo nenhum, afirmo) que este vírus será mutante, assim como o da gripe, a cada ano, ele virá com uma mutação.Acho que nosso futuro está condenado a doenças endêmicas e pandêmicas, acho que nossa política será cada vez mais difícil e desigual para a população pobre e temo muito (pois acredito que irá acontecer) pelo desmonte do SUS. Fiz a opção de ter somente um filho e, hoje, não me arrependo nem um pouco. Hoje, acho que não teria nenhum. Tenho perspectivas de um futuro tenebroso de se viver em todos os sentidos: meioambiente, saúde, violência, política e pessoas cada vez mais egoístas e desumanas. Algumas pessoas acreditam que esta pandemia trouxe mais solidariedade, as pessoas estão se ajudando, compartilhando mais, mas, na minha opinião, faz isso quem já tem boa índole, o mau caráter, continuará sendo mau caráter, o egoísta, continuará sendo egoísta, a pandemia não mudará o caráter e índole ninguém. Porém, com o desemprego, fez com que muitas pessoas se reinventassem em seus serviços, mostrando esse potencial do ser humano. Muito me preocupa também o aumento expressivo do desemprego e da falência de muitas microempresas, o cenário econômico como um todo".
Outros aspectos:
"Acrescento que este período me fez refletir sobre alguns aspectos, tais como:
Olhar mais de perto para o desempenho do meu filho no aprendizado escolar, para desenvoltura dele com plataformas digitais, para os interesses e desinteresses dele e ter mais contato de maneira geral com ele.
Me fez refletir sobre momentos em que achei que a vida não valia à pena, que o "mundo" é muito cruel e na quantidade de vezes que desejei que caísse um meteoro e que a humanidade fosse extinta. Nesta pandemia, interpretei que o meteoro é o Covid, e me arrependi muito de ter desejado isso, pois na verdade queria que o mundo acabasse, mas sem dor, sem sofrimento e essa pandemia está trazendo muito sofrimento.
Também refleti sobre a quantidade de coisas que acumulamos, principalmente roupas e sapatos, hoje, todos estocados, sem uso, dentro dos armários. Como precisamos de muito menos do que realmente temos".
"Foi muito difícil por vários motivos: tenho déficit de atenção, então, trabalhar em casa com mais 3 pessoas confinadas, conversando, vendo tv etc, me tirava a atenção, então, só conseguia trabalhar de madrugada. Tenho um apartamento muito pequeno, de dois quartos, mas moramos em quatro e tivemos que dividir três cômodos (sala e dois quartos) para quatro pessoas, o som de um ambiente invadindo o outro, como em uma disputa, e isso tudo na cabeça de uma pessoa, eu, que preza pelo silêncio.
Outra questão foi a falta de infraestrutura. Eram três pessoas precisando dividir rede de internet e um notebook. Meu filho, de 13 anos, se adaptando ao estudo online, meu marido cursando uma graduação EAD e eu em trabalho remoto. O estresse foi tamanho que fomos obrigados a comprar um smartfone para meu filho e um segundo notebook para a família.
Ainda sobre infraestrutura e ergonomia. Não tenho mesa de computador e cadeira apropriados. Foi necessário improvisar uma bancada para o computador e a cadeira usada está muito longe de atender às demandas de correta ergonomia. O Nust/Fiocruz envia várias dicas de saúde do trabalhador, enviou um informativo sobre ergonomia, sei da importância desses cuidados, admiro o cuidado que a Fiocruz tem com seus trabalhadores, mas achei um deboche com minha realidade.
Teve também o desafio de conseguir acessar alguns recursos de trabalho online, como plataformas de reuniões. Também desafiador foi ter que trocar mensagem eletrônica para qualquer tipo de necessidade, até aquelas em que, antigamente, levantava-se de sua cadeira e ia perguntar/discutir com o colega da sala ao lado, isso teve um impacto emocional muito grande. Por fim, a dificuldade de ter que continuar trabalhando quando precisa-se 90% estar com o acervo físico em mãos".
Mudanças de hábitos que ocorreram durante a pandemia:
"Aqui em casa somos 4. Foi muito confuso ficar 4 pessoas o dia inteiro, todos os dias juntos. Tenho uma idosa doente, tenho uma empregada por conta disso. Com a pandemia, pedi para que ela não viesse trabalhar , negociamos antecipação das férias, mas um mês não foi o suficiente. Com muito medo de ter uma outra pessoa em casa, que não sabia se estava sendo rigorosa com as recomendações da OMS, preferi estender seu isolamento em sua casa. Então, tudo o que a empregada doméstica fazia, tive que fazer, trabalhava praticamente o dia inteiro em casa e cuidando de minha mãe, só me sobrava as madrugadas para meus trabalhos remotos da Fiocruz. Foi muito exaustivo, não dava tempo e nem tinha estímulo de fazer qualquer coisa que fosse para mim. Tentei manter uma rotina de 3 vezes por semana fazer alguma atividade física, mas fui vencida pelo desânimo. No segundo mês de isolamento, em abril, meu marido foi demitido, isto nos deixou muito preocupados pois estamos sem perspectiva nenhuma de que ele consiga um outro emprego até que acabe essa pandemia.
Comecei a ter crises de ansiedade, mesmo com acompanhamento psiquiátrico e terapêutico, que se mantiveram por vídeo. Numa das crises, fiquei com o braço todo dormente, com espasmos musculares, parecia que estava tendo um AVC, mas, segundo o médico, foi uma hiperoxigenação, por conta da respiração acelerada. Ouvia nos noticiários que morriam várias pessoas de uma mesma família e meu pânico era eu e meu marido morrermos e meu filho ficar órfão. Também fiquei em pânico com a possibilidade de minha irmã morrer (ela tem câncer) e meu sobrinho, de apenas 8 anos,ficar órfão e eu ter que cuidar dele. Passava o dia inteiro e a noite também pensando só coisas ruins. Precisei voltar a usar medicamento para dormir (já há uns meses antes da pandemia que tinha parado o uso deste tipo de medicamento).
Tentei continuar a fazer atividade física em casa, mas moro em apartamento, o espaço é limitado, e com as dificuldades acabei desistindo de fazer, contribuindo para o aumento das crises de ansiedade. No início do isolamento, comia muito, engordei 3 quilos em um mês, depois, passei a ter náuseas e completa falta de apetite, ficava nervosa pois não conseguia comer, aí minha ansiedade aumentava, formando uma retroalimentação.
Com a flexibilização, após 3 meses sem empregada e sendo obrigada a fazer tudo, no último mês, chamei a empregada a retornar ao trabalho, isto está me ajudando muito, principalmente quanto aos meus compromissos com o trabalho como servidora da Fiocruz.
Nos primeiros dias que ela vinha trabalhar, fiquei de coração apertado, angustiada com medo dela poder trazer o vírus aqui para minha casa, mas a flexibilização está me ajudando a ter menos medo.
Acredito que nunca mais teremos um "normal", mesmo com a vacina. Acredito (sem cientificismo nenhum, afirmo) que este vírus será mutante, assim como o da gripe, a cada ano, ele virá com uma mutação.Acho que nosso futuro está condenado a doenças endêmicas e pandêmicas, acho que nossa política será cada vez mais difícil e desigual para a população pobre e temo muito (pois acredito que irá acontecer) pelo desmonte do SUS. Fiz a opção de ter somente um filho e, hoje, não me arrependo nem um pouco. Hoje, acho que não teria nenhum. Tenho perspectivas de um futuro tenebroso de se viver em todos os sentidos: meioambiente, saúde, violência, política e pessoas cada vez mais egoístas e desumanas. Algumas pessoas acreditam que esta pandemia trouxe mais solidariedade, as pessoas estão se ajudando, compartilhando mais, mas, na minha opinião, faz isso quem já tem boa índole, o mau caráter, continuará sendo mau caráter, o egoísta, continuará sendo egoísta, a pandemia não mudará o caráter e índole ninguém. Porém, com o desemprego, fez com que muitas pessoas se reinventassem em seus serviços, mostrando esse potencial do ser humano. Muito me preocupa também o aumento expressivo do desemprego e da falência de muitas microempresas, o cenário econômico como um todo".
Outros aspectos:
"Acrescento que este período me fez refletir sobre alguns aspectos, tais como:
Olhar mais de perto para o desempenho do meu filho no aprendizado escolar, para desenvoltura dele com plataformas digitais, para os interesses e desinteresses dele e ter mais contato de maneira geral com ele.
Me fez refletir sobre momentos em que achei que a vida não valia à pena, que o "mundo" é muito cruel e na quantidade de vezes que desejei que caísse um meteoro e que a humanidade fosse extinta. Nesta pandemia, interpretei que o meteoro é o Covid, e me arrependi muito de ter desejado isso, pois na verdade queria que o mundo acabasse, mas sem dor, sem sofrimento e essa pandemia está trazendo muito sofrimento.
Também refleti sobre a quantidade de coisas que acumulamos, principalmente roupas e sapatos, hoje, todos estocados, sem uso, dentro dos armários. Como precisamos de muito menos do que realmente temos".